Era uma mulher naturalmente marcante, daquelas que gostam de histórias com começo, meio e sem fim. Armada até os dentes, deixava com cada um de seus casos um pedaço de si. Um brinco, uma presilha de cabelo, uma calcinha inocentemente pendurada na torneira do chuveiro. E quando acabava, lá vinha ela com aquele papo de "deixa pra lá, outra hora você me devolve".
Tudo calculado. Ardilosa, não perdoava nem os ficantes. Esquecia um batom, um sutiã de renda, uma minúscula camisola. Chegou ao cúmulo de "perder" a carteira de motorista na casa daquele funcionário do Detran que a pegou de jeito depois de um encontro fortuito na blitz.
Até que ela o conheceu. De óculos, aparelho e sem o menor jeito para dançar. Deus, no alto de sua sordidez, a fez se apaixonar justo por alguém que dividia banheiro com outros três estudantes da antropologia. Ah, esses caras das humanas.
De marcante, passou a marcada e saía correndo ao menor convite para dormir abraçadinho, deixar a escova de dentes no armário do quarto. Não, aquilo era demais. Como se não bastasse, passou a pegar roupas emprestadas. Tudo bem, uma camisa tamanho G a salvou naquela manhã de sábado, porque mulher nenhuma teria coragem de sair em plena luz do dia com um vestido preto manchado de branco. Ou bege.
Com um esforço hercúleo, devolvia todas as peças do rapaz, lavadas e passadas. No máximo, pingava um pouco do seu perfume para ver se surtia algum efeito contrário àquela paixão avassaladora. Até que ela não pode mais. Passou a esquecer seu arsenal de sedução e se restringiu a um pente de dentes quebrados e a um desodorante com fragância masculina. E meias. Sim, meias que ele gentilmente emprestava para que ela usasse com suas inúmeras botas. Ai, quanta entrega.
Durou pouco mais de seis meses, quando ele disse que viajaria para a Ásia, alguma coisa sobre um curso de fotografia e o sonho de conhecer de perto os hindus e outras mil coisas que ela não conseguia entender.
Saiu da casa dele chorosa, acompanhada pelo olhar solidário dos três amigos maconheiros. Você vai se arrepender, ela pensou.
Não deu duas semanas, o rapaz ligou num domingo à tarde, porque não há melhor dia para ser cruel.
- Alô?
- Oi, tudo bem?
- Tudo e você?
- Tudo certo. Sabe o que é? Será que você podia devolver as minhas meias?
- Como?
- É, as meias. Estou embarcando para Nova Deli na terça-feira, sem dinheiro, preciso das meias.
- Claro.
E desligou o telefone pensando que a vida era mesmo injusta.
domingo, 7 de novembro de 2010
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Um comentário:
Sensacional, Carolaine!!
Adorei. Bom vc voltar a escrever...
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